terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

O Que Há


Álvaro de Campos*

O que há em mim é sobretudo cansaço —
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.
A sutileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,  
Essas coisas todas —
Essas e o que falta nelas eternamente —;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,  
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,  
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...  
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,  
Um supremíssimo cansaço,  
Íssimno, íssimo, íssimo,
Cansaço...

---
* Fernando Pessoa



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